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Fachadas ativas em São Paulo: entre o ideal urbanístico e a realidade do mercado

  • arqcarla4
  • 19 de out.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 28 de out.


Imagem gerada por IA
Imagem gerada por IA

Quem circula atento pelas ruas e avenidas de São Paulo tem percebido o excesso de lojas vazias nos térreos dos prédios, principalmente dos novos empreendimentos, e eu como arquiteta e urbanista conectada com à realidade do mercado imobiliário, quero discorrer um pouco sobre esse tema.

Em 2014 o Plano Diretor Estratégico de São Paulo criou o incentivo às fachadas ativas, a proposta parecia simples e poderosa: reconectar os edifícios à cidade. Abrir o térreo para o pedestre, estimular o uso misto, trazer vida às calçadas e transformar o que antes era muro em vitrine urbana.  Em troca, o empreendimento poderia obter benefícios como área não computável ou outras flexibilizações urbanísticas. Esse incentivo tinha com foco principal os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (ZEUs), ou seja, áreas próximas a estações de metrô, corredores de ônibus e vias estruturais.

A ideia era urbana, mas também econômica, gerar vitalidade nos eixos de transporte e induzir a ocupação do solo de forma mais inteligente. O mercado imobiliário respondeu ao chamado: entre 2016 e 2023, mais de 280 empreendimentos foram entregues com fachadas ativas, um salto de 94% em relação ao período anterior.

Mas dez anos depois, é hora de olhar para os resultados com a mesma racionalidade com que o instrumento foi concebido: o que funcionou, o que não funcionou e quais os desafios.


Os números: avanços e contradições

Segundo a pesquisa realizada pela Associação Comercial de São Paulo em parceria com Campagner Arquitetura e Urbanismo, de 2006 a 2023 foram identificados 300 empreendimentos com fachadas ativas — sendo 283 produzidos após o PDE de 2014. Desse total, 74% estão localizados nos eixos de transporte — exatamente onde o planejamento urbano esperava ver vitalidade.

Empreendimentos com fachadas ativas estão espalhados por diversas regiões de São Paulo, mas os maiores volumes estão nos bairros:

Vila Mariana (29 empreendimentos)

Ibirapuera (28)

Perdizes (23)

Vila Madalena (23)

Santo Amaro (17)

Rebouças (11)

As regiões com maior proporção de fachadas ativas em relação aos edifícios verticais são Santa Cecília, Vila Madalena e Perdizes, áreas historicamente consolidadas e com dinâmica urbana já estabelecida.

Mas, afinal, será que nós enquanto cidade, planejamos bem e executamos mal ou o problema nasceu na concepção urbanística do incentivo?


A vacância: qual o recado do mercado?

O estudo de campo realizado pela Associação Comercial demonstra que a ocupação dos espaços comerciais ainda é o maior desafio. As taxas de vacância impressionam em alguns bairros:

  • Vila Mariana: 40% das lojas desocupadas

  • Ibirapuera: 53% desocupadas

  • Rebouças: 41% desocupadas

As razões são conhecidas de quem vive o mercado: a defasagem entre o tempo do projeto imobiliário e o tempo do varejo, a ausência de gestão unificada, a burocracia para alteração de uso e, principalmente, a limitação de vagas de garagem, prevista no próprio Plano Diretor de 2014.

Na época, restringir vagas era parte da política de desincentivo ao automóvel, fomentando o comércio de proximidade. Mas na prática, essa diretriz reduziu a atratividade comercial dos térreos, especialmente em eixos com fluxo de passagem, mas sem infraestrutura de transporte de alta capacidade.

Com a transformação urbana vivida pela cidade em que diversos estacionamentos deram lugar a novos empreendimentos, ter um comercio com vaga de garagem tornou-se cada vez mais valioso. A ausência de vagas prejudica a implantação de atividades como drogarias que necessitam de vagas rápidas, além de outras atividades varejistas que demandam áreas para carga e descarga ou para embarque e desembarque.

Hoje, passados dez anos, esse é um ponto que precisa ser repensado com equilíbrio: manter o princípio do adensamento qualificado, mas permitir infraestrutura mínima de apoio ao comércio de rua, especialmente para serviços e conveniências de curta permanência.

Há, portanto, um descompasso entre o urbanismo que desenha e o mercado que precisa fazê-lo funcionar. As fachadas ativas surgiram como instrumento urbanístico, mas se tornaram também um produto imobiliário e como todo produto, precisam de modelo de negócio, gestão e liquidez.


Pra frente, sempre!

As fachadas ativas sintetizam a tensão e a beleza de fazer cidade: o ideal do espaço público encontra a lógica de maturação do mercado.

Quando um edifício abre sua base para o entorno, ele produz um bem urbano, mas também assume um risco financeiro até que o projeto opere em sua capacidade plena. O equilíbrio entre esses dois mundos é o ponto onde mora a cidade que eu acredito.

 A fachada ativa, quando bem estruturada, agrega valor ao empreendimento, melhora a segurança, reduz a sensação de enclausuramento e oferece uma continuidade do espaço urbano criando polos de comercio e serviço. Esse ideal remete ao que Jane Jacobs já defendia nos anos 1960: a vitalidade urbana nasce do uso misto e da diversidade de funções no mesmo espaço. O que Jacobs via como “olhos da rua” precisa, no nosso contexto, de um modelo de negócio capaz de manter essas portas abertas, atraindo diferentes usos e portes de comercio e serviço.

Uma boa concepção urbanística é aquela que direciona para onde a cidade vai caminhar, respeitando os percursos construídos pelo desenvolvimento imobiliário, é sobre conectar a teroria urbana com a realidade da dinâmica daquela cidade. O urbanismo pode prever o espaço, mas é o mercado que o preenche.

O instrumento é jovem e precisa amadurecer. O estoque de hoje é um ponto de virada: com lições aprendidas que poderão ser incorporadas pelo poder publico e pelos desenvolvedores de projeto.

A cidade é um laboratório vivo e o debate sobre as fachadas ativas está só começando, caberá a nós, profissioais do mercado imobiliário, participarmos ativamente das provocações, teses e soluções.

 
 
 

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©2025 por Carla Freitas

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